quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A idade da loba

Terça, 27 de março de 2007

Os segredos da loba



“Estou na fase da loba, me sinto plena de mim”. Como um cochicho, a frase chegou aos meus ouvidos, quase um sussurro entre um uísque e outro, na festa de aniversário de um amigo, numa dessas noites. Conversávamos, algumas pessoas na mesa e a noite ia adiantada. Na hora em que a frase visitou a esquina da minha orelha foi como o estalo de um chicote determinado, um certo calor na voz mas, em seu bojo, havia a segurança de uma mulher que sentia a necessidade de falar aquela frase, como um anúncio de que havia perigo no ar, que o frisson que visitara meu cangote era gerado de uma fonte onde havia turbilhões de energia  vulcânica em suspensão, lavas magmáticas de paixões incandescentes que podiam aflorar num piscar de olhos. Com um giro lento de cabeça, ousei encarar a face da loba que resolvera chegar ao começo da madrugada uivando baixo e trazendo-me uma certa perplexidade gerada por aquela voz quente, rasgo de noturno verão, cheiro de doce perigo no ar.

    A mulher, quando é resolvida, fruta maturada, sabe ter a esperteza da loba e sabe sobreviver sem matilha. Amiga da lua, prima do sol, conhece cada segredo dos lugares por onde anda; deixa seu cheiro, seu almíscar em cada pele visitada, como antiga tatuagem ou cicatriz de velhas batalhas. A idade da loba dá, à mulher, a certeza da aura que clareia os caminhos eleitos por ela, apenas por ela. Aos machos mais frágeis, desacostumados a enfrentar a altivez sensual da mulher-loba, resta o medo, a fuga, como acontece com muitos, ainda não temperados nos mistérios dos sortilégios que envolvem essa raça de pêlo brilhante, farto, eriçado ao mínimo toque na hora do encontro selvagem.

    A mulher-loba conhece o poder de suas garras, o laivo de sangue dos seus olhos determinados.Para ela, não há mistérios no amor nem discussões existenciais no silêncio morno do quarto amanhecido com jeito de ter enfrentado o fragor de um doce embate. Ela sabe os caminhos traçados em sua bússola.

    A mulher-loba guarda seus uivos para os momentos mais profanos, quando eriça o pêlo e se encharca de vinho, te olha e ensaia um tango com, um jeito de quem conhece velhos segredos de bandoneons platinos. Segura de si, é capaz de eleger em seu guarda-roupa um vestido vermelho quando o tom da moda é a cor clara e sair por aí, requebrando as ancas fartas apenas para provocar um frevo doido nos olhos dos homens que passam. A mulher-loba é colombina, cigana e tem nos ombros  a pele trigueira das mulheres da Andaluzia.

A mulher-loba sabe delimitar como ninguém os espaços da sua área de caça. Ela é a guerreira, a que atiça a caça e conhece como ninguém os perigosos caminhos da jugular.

    Como uma fruta madura, a mulher-loba conhece o momento da plenitude da sua estação. Mas a colheita, é ela quem determina, guardiã zelosa da seiva que escorre das suas raízes.



http://www.destaquenoticias.com.br/index.php?act=leitura&codigo=871

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